Os desafios da transição energética

Inovações relacionadas a fontes renováveis, veículos elétricos e capacidade de armazenamento de eletricidade devem mudar a forma como geramos e consumimos energia nas próximas décadas. G.Lab para EY – Valor

No cenário da transição energética global, o Brasil tem características distintas dos países que correm contra o tempo para descarbonizar seu ecossistema de energia, principalmente na Europa. Capitaneada pelas hidrelétricas, a matriz nacional já é uma das mais limpas do planeta.

“Nossa questão não é o quanto vamos limpar nossa matriz, mas como vamos prepará-la para suportar as demandas e inovações da transformação energética”, afirma Carlos Assis, sócio-líder do Centro de Energia e Recursos Naturais da EY para a América do Sul.

A previsão é de que os investimentos se intensifiquem nos próximos anos, e as empresas de óleo e gás assumam a liderança na transformação energética.

Por transição energética, entende-se uma mudança estrutural em um sistema energético. Várias transições energéticas ocorreram na história da humanidade. A transição energética em curso é chamada de descarbonização porque visa a substituição de fontes energéticas que causam aquecimento global e consequentes mudanças climáticas (combustíveis fósseis como petróleo, e carvão) por fontes não emissoras de gases causadores do efeito estufa (fontes renováveis e nuclear).

Em 2018 o mundo experimentou um aumento de 2,8% no consumo de energia primária. Só o gás natural cresceu 5,3% em todas as matrizes energéticas, pari passu ao aumento de 2% das emissões de gases de efeito estufa, muito em função do também aumento do uso do carvão (BP, 2019).

Existe ainda, contudo, um desequilíbrio entre o uso de energias renováveis e energias fósseis. Mesmo assim as energias renováveis atingiram a sua maioridade, e em várias economias já são bastantes representativas nas suas matrizes energéticas. Assim, dois pontos fundamentais pautam esse artigo, que visa discutir rapidamente os caminhos brasileiros na transição energética sobre duas óticas: a primeira é o crescimento robusto da demanda de energia, principalmente no mundo em desenvolvimento – incluindo óleo e gás, o que cria uma dificuldade para a descarbonização; e a segunda, que confiar apenas em energias renováveis pode deixar o sistema instável, gerando algum desequilíbrio momentâneo. cenários Petróleo

As grandes companhias de petróleo já iniciaram o movimento de diversificar as atividades para antecipar um novo cenário energético. A aposta é nas energias renováveis. A norueguesa Equinor inaugurou, em 2018, seu primeiro projeto de geração solar no mundo, em Quixeré, no Ceará. A empresa também firmou parceria com a Petrobras para a produção de energia eólica offshore, com parques de turbinas em alto-mar.

A estatal brasileira incluiu no seu plano estratégico para 2040 atuar em negócios em energia renovável. No final de 2018, anunciou a criação de uma joint venture com a francesa Total para desenvolver uma carteira de projetos nos segmentos solar e eólico. E, em fevereiro de 2019, assinou com o Centro Suíço de Tecnologia e Microtecnologia um acordo de cooperação para o desenvolvimento de painéis fotovoltaicos flexíveis.

Figura 1: Evolução temporal do consumo de energia primária e emissões de CO2 associadas. Fonte: Adaptado de BP Statistical Review, 2019.

Pela teoria dos recursos naturais, os países devem usar os recursos energéticos que possuem em maior abundância e que sejam de menor valor. No caso do Brasil, as vantagens competitivas são muitas: água, sol, vento, biomassa, e ainda, óleo e gás. Uma matriz diversificada traz a possibilidade de uma transição energética tanto via gás natural – e assim com o incremento do uso de combustíveis fosseis – quanto via energias renováveis. Vale destacar que há o entendimento de que em um processo de descarbonização, não há a participação de nenhum combustível de origem fóssil e, dessa forma, não incluiria a utilização do gás natural para esse fim[1].

Entretanto, via gás natural parece a alternativa inicial, uma vez que vários países têm usado o gás natural como combustível de transição, por este emitir uma menor quantidade de GEE do que o óleo e o carvão. O espraiamento do uso do gás natural no mundo se deveu à descoberta de reservas e formações em vários países do mundo, e principalmente, à tecnologia do GNL[2], que permitiu a exportação desse gás via transporte marítimo. Dessa forma, uma maior quantidade de gás no mercado o tornou mais competitivo e reduziu o valor da molécula no mercado internacional. Trata-se de um “sub-step” no caminho da transição energética: usar um energético abundante, menos emissor, enquanto se transita para uma matriz completamente limpa, e por tal, de mais complexa administração.

No Brasil, fala-se de quatro milhões de barris/dia de produção de petróleo para daqui a alguns anos. Muito pautado no sucesso dos leilões de áreas de exploração que têm sido feitos, nas alterações regulatórias propostas e executadas, e na santidade dos contratos assinados, por meio da ação da ANP. Como dito, os recursos naturais mais abundantes e mais baratos serão utilizados como forma de desenvolvimento econômico e social de uma economia. Com isso, o Brasil do pré-sal, das descobertas de Sergipe-Alagoas e da Foz do Amazonas tem muito óleo ainda a consumir e se afasta do modelo internacional preconizado descarbonizado, em um primeiro momento.

Figura 2: Previsão de produção de petróleo e o número de plataformas esperadas para os próximos anos. FGV Energia, 2019.

Sobre o mercado de gás natural, este ainda é uma incógnita no Brasil, apesar de estar em um momento muito particular e propício ao seu desenvolvimento. Entendeu-se recentemente, por exemplo, que o monopólio do gás prejudica a própria Petrobras, e com isso a empresa começou a se desfazer de alguns de seus ativos, deixando o mercado otimista em relação a entrada de novos agentes, e, no médio/longo prazos, à queda dos preços. Entretanto, independente da sobrepujança do gás, é importante considerar todas as fontes de energia disponíveis, donde suas características únicas sejam capazes de acomodar as especificidades dos sistemas energéticos, inclusive o óleo.

A transição para o gás natural, assim como a continuidade da utilização do óleo cru, já está posta. Falta discutir o porvir. O porvir em relação ao papel das cidades, às questões geopolíticas, de segurança energética, de descentralização, de economia de escala, de crescimento econômico, de preços relativos, o papel do governo, o papel do regulador, das políticas de meio ambiente, entre outras.

Uma análise de mais longo prazo da questão da transição energética perpassa a própria estrutura da matriz energética brasileira associada à indústria 4.0, a indústria da inteligência artificial, da realidade aumentada, da internet das coisas, do machine learning, impactando sobremaneira o setor energético. Fernanda Delgado

Com exceção do caso brasileiro, os países do BRICS contam com elevada participação de fontes fósseis na matriz energética. Analisando as tendências dos vetores da transição, percebemos que esses países ainda estão atrasados na difusão de renováveis em relação aos países líderes, mas os ganhos de eficiência associados à expansão de fontes modernas foram significativos. A China tem mostrado um forte compromisso para a redução de emissões, e a escala dos programas de ampliação de fontes renováveis é destacada.

A elevada participação de fontes renováveis particulariza a transição brasileira, em que as novas fontes renováveis, eólica e solar, têm o papel de compensar a perda de participação da energia hidrelétrica. Índia e África do Sul combinam os objetivos de transição aos de inserção social por meio do acesso à eletricidade, e a abundância de recursos fósseis acarreta menor engajamento da Rússia com a transição.

As complementariedades e as similaridades no processo de transição energética resultam em oportunidades de cooperação entre os países do BRICS, pois há muito espaço para uma estratégia conjunta de transição energética. Luciano Losekann e Felipe Botelho Tavares, Brasília, julho de 2019. ipea –  TD 2495 – Política Energética no BRICS: desafios da transição energética

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